CINEMA

Sinopse: “JULIETA” de Almodovar (Por Sérgio Lima de Oliveira)

JulietaO filme é baseado em três contos da escritora canadense Alice Munro, detentora do Prêmio Nobel de Literatura em 2013. A obra retrata a história de uma mãe que vive uma incerteza depois de ter sido abandonada pela filha. Destacando-se ainda, o mistério que nos leva a abandonar quem amamos e como relegamos pessoas de nosso passado, como se não tivessem deixado lembrança alguma. Trata-se de um melodrama? Há quem enxergue uma tragédia, nesse último trabalho de Almodóvar (maior cineasta espanhol desde Buñuel).

Dotado de  roteiro sem pausa, para as personagens e para o espectador, que transita pelo tempo, cidades e os acontecimentos com esperança de encontro e reconciliação entre essas mulheres. Uma mãe (Emma Suáres) escreve uma carta sem destino à sua única filha (Antía). Aos poucos, a biografia de Julieta e seu relacionamento com a filha, formam o cerne de um filme sobre dor e descobertas, sobre maternidade, amor, perda e redenção.

Almodóvar sempre revelou o seu melhor quando entrega-se ao universo feminino, dizem alguns fãs, principalmente quando ele deixa o “jocoso”de lado para concentrar-se em histórias sobre personagens complexos, ao mesmo tempo, tão reais.

No dizer do próprio diretor: “Este é um filme de mulheres imperfeitas, mas defensáveis, como são vocês, como somos todos”,  esclarece sobre as personagens de seu vigésimo filme. “Lutei muito com as lágrimas das atrizes, contra a necessidade física de chorar. Essa luta é muito expressiva. Não é por pudor, é porque eu não queria lágrimas, o que queria era abatimento. Aquilo que fica dentro depois de anos de dor. Adoro o melodrama, é um gênero nobre, um gênero grandioso, mas eu sabia muito bem que não queria sua épica, queria outra. Simplesmente este filme tinha de ser um filme muito seco”, acrescenta o diretor. A maior parte do elenco nunca havia trabalhado com ele, vale salientar.

Dos contos originais quase não resta nada. “Exceto algo que para mim é fundamental e que pertence a ela (a escritora Alice Munro): a sequência do trem, que nos atrai especialmente, e se algo me impeliu a querer fazer este filme são as cenas que ocorrem dentro do trem. Qualquer cinéfilo adora trens e eu estava empolgado com a idéia de filmar em um. Mas a realidade foi diferente, e trabalhar dentro de um trem de verdade, pequeno e com os assentos cheios de ácaros, se tornou um verdadeiro suplício. Quase não podíamos nos mover, tossíamos sem parar, a garganta coçava, enfim…”, declara Almodóvar.

As viagens são uma constante no filme, que transita em elipses de época em época. Vazios geográficos e emocionais. Do presente ao passado. Em cada movimento, lugar ou situação, os personagens se enfrentam, seja em casas, em cozinhas com seus objetos simbólicos. Desde bolos de aniversários, cores saturadas, paredes. Talvez o mais tocante de Julieta seja como são descritas, com poucas palavras, as relações entre mãe e filha quando o pior, seja a doença ou a loucura, está presente. Um gesto simples, o de uma filha banhando sua mãe, bastam poucos segundos focando o rosto deprimido daquela mãe, nesta inversão de papéis, naquela cena, o diretor recorda que vem de um lugar onde isso é comum, as filhas cuidam das mães, as mulheres cuidam das outras mulheres. “Para mim, a dor não é um tema em Julieta, mas uma das personagens e talvez a personagem mais importante do filme. Julieta é uma mulher que guarda um segredo, e uma dor. Nunca desistiu de Antía, sua filha.”, esclarece o diretor, quando do lançamento do filme no último Festival de Cannes, na França. “De todas as mães que retratei, Julieta é a mais frágil e vulnerável. Dela eu crio uma história sobre resistências passivas à vida”.

Nenhum outro filme de Almodóvar percorre universos tão vastos, são tantos os saltos geográficos. E tem o mar (elemento significativo no filme) não só como paisagem.

“Julieta” é mais um  belo exemplo, tanto em sua estrutura quanto na maneira delicada como explora a dor de sua personagem de forma exemplar, pela lente desse gênio do cinema que é Pedro Almodóvar. O filme transmite sua dor, sem lágrimas. Cada detalhe, cada momento do filme é rico em significado, elementos e cores almodovianas que compõem as forças motrizes dessa vigorosa história. 

Por fim, o filme é um melodrama? ou uma tragédia?

Assista e faça sua escolha.

Elenco:

Julieta, na juventude (Adriana Ugarte)

Julieta, na maturidade (Emma Suárez)

Xoan, pai de Antía (Daniel Grao)

Antía, filha de Julieta (Blanca Parés)

Lorenzo, namorado de Julieta (Darío Grandinetti)

Beatriz, amiga de infância de Antía (Michelle Jenner)

Marian, governanta (Rossy De Palma)

Ava, artista plástica/escultora (Inma Cuesta)

Direção e Roteiro:

Pedro Almodóvar

Diretor Fotografia:

Jean-Claude Larrieu

Montagem:

José Salcedo

Trilha sonora:

Alberto Iglesias

Curiosidades:

– Almodóvar enfrentou a filmagem de “Julieta” depois de uma longa pausa decorrente de uma extenuante cirurgia nas costas. O pós-operatório se prolongou e o cineasta ficou mais de um ano parado. “O lógico teria sido filmar em estúdio, mas não sou dono do que escrevo. Até os trechos de Madri foram filmados em casas reais. Passamos dias na Galícia, nos Pirineus, na Andaluzia…O certo é que comecei a rodar Julieta sem saber ao certo se poderia terminar…O filmes são minha vida. Não poderia estar melhor rodeado, ajudam-me a todo momento, mas sempre há uma parte da aventura, misteriosa e secreta, que é individual. E não acredito que seja o único diretor a quem isso acontece. O certo é que o cinema preenche tudo em minha vida”. Essas palavras resumem o que é hoje Pedro Almodóvar. Em suas mãos, o cinema muda as regras da vida, e o espectador deve deixar o compromisso com o real para entrar em uma verdade mais profunda.

– Na coletiva, em Cannes, sul da França, Almodóvar disse que ninguém sabia filmar num trem como Hitchcock, mas ele ousou. A morte, o sexo, tudo ocorre no trem. “Julieta” concorreu à Palma de Ouro, em Cannes, quinto filme da carreira do diretor a concorrer no festival francês.

– O tempo todo Almodóvar sabia que queria trabalhar com duas atrizes para expressar a juventude e maturidade de Julieta – a bela Adriana Ugarte e Emma Suárez, respectivamente. Contamos com a atriz almodoariana, Rossy De Palma (“Ata-me”; “Mulheres à beira de um ataque de nervos”).

– “Julieta” originalmente foi intitulado “Silêncio”, mas o cineasta espanhol decidiu mudar o título para evitar confusão com o novo longa de Martin Scorsese, ‘Silence’.

– “Se não estiver envolvido com algum filme, minha vida se torna triste”; declara Almodóvar.

– Dos contos originais quase não sobrou nada. “Exceto algo que para mim é fundamental: a sequência do trem”.

– “Em muitos de meus filmes aproveitei para dar alguma receita. É um costume pedagógico de que gosto bastante. É como naquele filme de François Truffaut (diretor francês) em que a protagonista passa manteiga numa torrada e diz que o truque para não quebrar é sempre pôr outra embaixo”.

Prêmios ganhos por Pedro Almodóvar:

“Tudo sobre minha mãe”, 2000 – Oscar; Globo de Ouro; BAFTA; Cannes

“Fale com ela”, 2002 – Oscar; Globo de Ouro; BAFTA

“A Pele que habito”, 2011 – BAFTA; Cannes

“Volver”, 2006 – Cannes

Sérginho Sérgio Lima de Oliveira (Sérginho), que segundo ele próprio se auto define : “Amante do Cinema e deixa qualquer coisa por um bom filme. Aprecia também filosofia. E a convite, resolveu escrever sobre cinema para o Luiz Müller Blog”. A coluna será publicada todas as sextas-feiras no blog.

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