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Sobre a cidadania, bicicletas e economia

Pesquei este texto do Blog da Dilma. O texto é do Jornalista Alberto Perdigão – jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade.Já falei muito sobre transporte em Porto Alegre. Quando a gente fala, parece que é coisa do outro mundo. Mas vários países estão adotando integração de modais de transporte, transporte coletivo como ônibus, lotações, etc. Mas principalmente no centro das cidades, há cada vez mais o incentivo ao iso da bicicleta. E não é para o lazer. É para o trabalho mesmo. Mas para não ser só este humilde blogueiro a falar ou escrever, aqui vai o texto de quem se utilizou deste moderno sistema de transporte que as cidades européias estão utilizando e o poder público esta incentivando. Enquanto isto, aqui na capital de todos os gaúchos, transformam até o histórico Largo Glênio Peres em estacionamento. Falam até em construir caríssimos estacionamentos subterrâneos no centro da cidade. Tudo para incentivar…o uso do automóvel e engarrafar cada vez mais o nosso Centro Histórico e adjacências. Uma barbaridade.

Coisas espantosas que vi na Europa

A cada nova crise que atinge a União Europeia-27, a Economia e a política globais ficam se perguntando: pode o PIB da Alemanha seguir sustentando a Grécia? É possível a Portugal existir como projeto autônomo e sustentável? Que Espanha é essa que hoje gera menos empregos que antes da unificação? As questões são muitas, as dúvidas parecem eternas. Mas uma coisa é certa: o velho mundo, que é primeiro mundo, pensa primeiro na vida como maior valor e na cidadania como maior bem da sociedade.
É neste contexto que se insere a comunicação pública, aquela que os governos oferecem aos governados, a centrada no interesse público, a dialógica e inclusiva. Independentemente da pujança econômica ou da estabilidade política dos estados membros da União Europeia, é lá que se encontram, como em nenhum lugar do mundo, as ferramentas comunicacionais que asseguram à cidadania – e por extensão aos visitantes – o direito de ser informado e de também se expressar quanto aos seus desejos e opiniões.
Chega a ser espantoso, para nós da América Latina que convivemos passivamente com a cidadania muda e, coniventes, legitimamos o Estado solitário. No Brasil, não diferente da Argentina, Chile ou daVenezuela, a comunicação pública ainda é um devir até teorizado em alguns livros, mas pouquíssimo praticado – não obstante as ondas democráticas e o avanço tecnológico que nos chegam quase simultaneamente, em relação à Portugal ou Espanha, a Alemanha, França ou Inglaterra.

Na União Europeia, a relação entre o Estado e o cidadão é um compromisso praticado exaustivamente pelos governos, sejam eles mais democratas ou mais trabalhistas, estejam eles mais à esquerda ou mais à direita do Greenwich político. O melhor exemplo talvez venha da Inglaterra, onde a Monarquia se curva ao Parlamento, pela preservação devalores republicanos, como Estado democrático de direito e dos canais de comunicação que asseguram à cidadania a plena e livre expressão para muito além do simples voto.

Um turista em rápida passagem pelo país vai ver que nos órgãos públicos são garantidas e facilitadas a informação e a comunicação direta, gratuita e no local, com um gerente ou ouvidor, mesmo quando há um atendimento físico de guichê ou balcão – inclusive ao visitante. Nas estações do mais antigo sistema de metrô do mundo, ao lado da bilheteria que arrecada, há uma cabine para prestar contas e esclarecimentos. Na plataforma de embarque, um telefone está disponível para falar com o gerente da estação. Isso é comunicação pública.
Enquanto no Brasil ainda se vê no sistema público de transporte coletivo a advertência “Fale com o motorista somente o indispensável”, o ônibus londrino tem dois “andares” de comunicação: um canal de voz com a cabine do condutor e outro com a central do serviço. Nos pontos, as informações sobre linhas e horários estão expostas em braile. Embarcados, cegos e surdos são informados por display eletrônico e canal de voz sobre a sequência de paradas do trajeto. Isso é comunicação pública.
O dia em que um (não) cidadão francês (não) foi suspeito de furtar uma bicicleta
Em Paris, na França, o que é espantosa é a relação de confiança que sustenta o sistema público que estimula a utilização de bicicletas, inclusive entre turistas. O Velib’ (uma referência a vélo libre, bicicleta livre) oferece bikes que podem ser apanhadas, e deixadas, em dezenas de estações espalhadas pela cidade, na conveniência do usuário.  Para trajetos de até meia hora não se paga nada, o que mantém a alta rotatividade no uso. Basta se inscrever, deixar uma caução no cartão de crédito e pedalar.
O exemplo de sistema público de transporte politicamente correto e ecologicamente seguro é também um modelo de comunicação pública. Além do site de fácil navegação www.velib.paris.fr, que pode ser acessado do telefone, em cada estação há um totem comum terminal de acesso e interatividade com a central, parecido com um caixa eletrônico, mas que é um espetáculo de usabilidade. Achou pouco? Pois em caso de dificuldade, basta acessar um canal de diálogo, e o atendimento é prestado na hora. Isso é comunicação pública.

Eu mesmo precisei do canal. Ao não conseguir desengatar a bicicleta que acabara de pedir ao terminal, o sistema entendeu que eu a estava utilizando, não permitindo uma nova retirada. Irritado por não ter uma bicicleta para mais um passeio, e por estar sob o risco de perder a caução pela não devolução do que não usara, chamei o canal de voz. Falei em péssimo inglês que tinha problemas e, em tom abusado, confesso, exigi que a conversa fosse na língua espanhola. E fui atendido prontamente.

Comecei dizendo que estava prejudicado por um problema mecânico do sistema, que não aceitaria ser tratado como suspeito de não devolver bicicleta nem admitiria perder o dinheiro da garantia. O senhor tem toda razão, pedimos nossas desculpas, disse uma moça, para meu espanto, em tom cordial e atencioso, como quereria qualquer turista em situação embaraçosa. Dando prova de confiar no que eu relatava, simplificou: basta o senhor dizer o número do posto e o número do engate da bicicleta 613, que o senhor não usou.
Chamei o Velib’ horas depois, passei as informações. Como bom brasileiro, pedi o número do protocolo. Não precisa de protocolo, não há processo aberto, nem pendências, o caso está encerrado. Insisti, pedindo que me enviassem um comprovante de que não devia nada, de que nada me seria cobrado. Não precisa informar o que o senhor está me afirmando; não sendo necessária a devolução nada lhe será cobrado, disse. E muito obrigado pela informação, o engate já está sendo consertado, finalizou. Isso é comunicação pública.
Moral da história. Na União Europeia, a relação entre o Estado eo cidadão (incluídos os visitantes) é forjada na confiança. A cidadania na União Europeia se fortalece com a na comunicação pública. A abrangência e o rigor com que esta comunicação pública é praticada ainda são um espanto para nós, de países ditos republicanos, ditos democráticos, onde governos e eleitores não se relacionam, não se reconhecem como interlocutores em temas de interesse comum e estão sempre dispostos a assaltar um ao outro.

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2 pensamentos sobre “Sobre a cidadania, bicicletas e economia

  1. Muller. Há que se fazer uma campanha massiva sobre educação no transito para os motoristas e também para os ciclistas. Hoje, agora a pouco na verdade, subindo a Borges de Medeiros, parei na sinaleira da Riachuelo que estava fechada para pedestres. Quando o sinal abriu para nós, iniciei a travessia e um ciclista passou a toda do meu lado, cruzando o sinal fechado. Ele estava com capacete, luzes piscando e tudo mais, mas não respeitou a sinalização. Isto sem falar do que se vê na Ipiranga. Cara… Tem muito trabalho a ser feito ainda. É um tremendo desafio, e tenho certeza que o Villa saberá levar isso em conta!
    Grande abraço!
    Álvaro Troviscal

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    • Caro Álvaro

      Concordo contigo plenamente. Mas há ações que o poder público pode tomar. Na medida em que se restringe a utilização do carro em alguns lugares, as pessoas vão buscar alternativas. E ao buscá-las, evidentemente muda a cultura. O centro histórico de Porto Alegre está atopetado de carros. Tem horas que o trânsito não anda. E há carros estacionados por todos os lados. Mas não se trata de tirar o estacionamento, como aliás fazem na Julio de Castilhos nos fins de tarde. Tem que reduzir as ruas para circulação destes. Senão, daqui a pouco vai ficar inviável andar de carro, de bicicleta ou seja lá o que for. E não se trata de fazer mais estacionamentos, subterrâneos, aéreos, ou coisas do tipo. Enquanto fizerem coisas assim, cada vez mais as pessoas quererão andar de carro. E cada vez mais vão atravencar o trânsito. Também não é o caso de fazer só meia dúzia de ciclovias. O Plano Viário de POA tem que prever que bicicletas circularão poe ciclofaixas ou até mesmo nas ruas. Existe legislação sobre isto já. É só fazer cumprir e fiscalizar. Mas como a turma da lei acha que bicicletas não são importantes, estas continuam na marginalidade. E por serem da marginalidade da lei, transgridem, afinal, estão a margem, como este ciclista que falas. o ciclista esta a margem, não por que ele queira, mas por que aqueles que deveriam fazer valer a lei para todos, só a fazem valer para alguns.

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