Do Blog Fatos novos Idéias Novas
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Este artigo foi escrito em abril, mas continua válido para explicar a queda livre do dólar. Para melhor entendimento, leia também “O pesadelo chinês”, na coluna Pérolas & Pílulas.
Quem leu minha coluna do último dia 2 de abril, há de lembrar que a conclui dizendo que Obama foi discretamente instado por seus colegas do G-20 , durante a reunião de Londres, a primeiro fazer a lição de casa e consertar a economia norte-americana para, só depois, tentar liderar a arrumação da economia mundial. Este fato, aliás, foi solenemente ignorado pela nossa grande mídia.
Entretanto, os grandes jornais brasileiros não puderam deixar de noticiar , ainda que às escondidas nas páginas internas, que , no dia seguinte à reunião, o presidente Lula proporia ao presidente chinês, Hu Jintao, a adoção de um mecanismo que permitisse a utilização das moedas de seus países no seu comercio bilateral. A proposta traz, implícita, a ideia de destronar o dólar como moeda irrestritamente aceita no comercio internacional. O mais surpreendente, porém, foi a pronta adesão de Jintao ao projeto, tanto que ele e Lula agendaram para as próximas semanas uma reunião entre seus respectivos ministros da fazenda, para tratar do assunto, em Pequim. Recorde-se que desde o ano passado Brasil e Argentina já haviam oficializado este mecanismo bilateral.
Em circunstâncias normais, a proposta de Lula aos chineses não seria levada muito a sério e receberia de seu interlocutor um sorriso oriental com o seguinte significado: será que você está com esta bola toda? Mas o chinês tem fortes razões para agarrar-se a propostas desse tipo. A primeira delas é a de que guarda em seus cofres uma quantidade exagerada de títulos tóxicos norte-americanos. Algo que se aproxima do trilhão de dólares. A segunda razão é ainda mais angustiante: as reservas chinesas em moeda americana já bateram na casa dos 2 trilhões de dólares e cresce à razão de 50 bilhões por trimestre, já que os Estados Unidos são , de longe, os maiores compradores de suas mercadorias. Por tudo isso, ainda em Londres, o presidemte do Banco Central chinês, Zhou Xiaochang, diria que seu país contribuiria para o fortalecimento do FMI (anabolizado na reunião do G-20, com uma injeção de um trilhão de dólares para fazer frente à crise mundial), com a condição de que as obrigações do Fundo fossem denominadas em uma nova moeda internacional. Esta nova moeda seria baseada nos Direitos Especiais de Saque do fundo, tradicionalmente garantidos por títulos do Tesouro americano, agora considerados insuficientes. Na verdade, os norte-americanos vinham bancando o Fundo, desde 1944, quando de sua criação em Bretton Wood e, por esta razão, sempre mandaram e desmandaram nele. O acordo de Bretton Wood pode ser descrito como uma reunião semelhante a esta do G-20 agora realizada em Londres. Com ela instalou-se uma nova ordem econômica mundial que garantiu, no Ocidente e sob a hegemonia americana, três décadas de forte crescimento econômico , dando início aos “anos dourados” do pós-guerra , sendo que, tanto naquela época, como se espera agora, a superação da crise inicial foi obtida graças a uma pesada intervenção estatal, inspirada em Lord Keynes, aquele brilhante economista inglês que ensinou aos burgueses de todo o mundo como consertar com a mão visível do estado, os estragos provocados pela mão invisível do mercado. Mas voltemos ao drama chinês.
“Quem amarra, amarrado está”, dizem os mestres de capoeira e a teoria cabe como uma luva nas relações entre credores e devedores. Há três semanas o presidente chinês já havia proposto a criação de uma nova moeda internacional, em substituição ao dólar. Este tema, com certeza, foi discretamente tratado nos bastidores da reunião do G-20. Tratar do assunto em público, mais do que uma gafe, seria uma catástrofe. Seja como for, Hu Jintao está tentando levar sua ideia adiante, já que as batatas estão cada vez mais quentes em suas mãos. Tudo porque os incautos chineses, abandonando milenar sabedoria, deixaram-se encantar pelo principal símbolo do poderio ocidental, um pedaço de papel tingido de verde.
Quanto a transformação do real em moeda conversível, isto soaria, num primeiro momento, como uma típica” malandragem carioca”, o famoso 171, imortalizado pela antiga lenda da venda de bondes a caipiras paulistas e mineiros. Mas o mundo está, digamos, de cabeça para baixo… Além disso, é preciso reconhecer que a moeda brasileira vem mantendo uma suficiente estabilidade, desde sua criação há quatorze anos pela dupla FHC-Malan. Também não há como ignorar as estatísticas que descrevem apenas oscilações suportáveis da moeda desde 1998, quando foi descongelada. Desde então , ela só uma vez bateu nas três unidades por dólar e raramente veio abaixo de 1,5 unidade. Com a inflação brasileira reconhecidamente sob controle, com confortáveis reservas em moedas estrangeiras e com uma balança comercial que ainda não compromete, parece ser esta a hora de os brasileiros começarem a levar a serio a sua própria moeda.
Mas a proposta de Lula a seu colega chinês não deixa de ser mais uma de suas espertezas. Afinal, ninguém pode dizer com segurança qual será o ritmo e a intensidade das oscilações da nossa moeda nos próximos meses. Enquanto isso, os especialistas são unânimes em afirmar que, cedo ou tarde , a China terá que permitir a valorização de sua moeda, mantida artificialmente abaixo de seu verdadeiro peso, para garantir o estupendo desempenho das exportações chinesas. Quem amarra, amarrado está.
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