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Só a volta da ditadura nos salva do CQC e viva Michel Teló

Pescado do Blog do Juremir Machado, do Correio do Povo – Original aqui

Estou impressionado com a evolução da música  popular brasileira.

Não posso deixar de falar do assunto.

Quando mais elogio, mais sou incompreendido.

Eu amo a estética do lixo.

E adoro a verdade.

Chamo lixo de lixo, chinelagem de chinelagem, baixaria de baixaria.

Gosto de me  “acanalhar”.

Frequento funk disfarçado de deputado federal.

Lixo para mim é arte suprema.

A democracia fez um bem danado para a nossa criatividade.

A cada ano estamos melhores e mais famosos no mundo.

Na ditadura, eram aqueles chatos com suas entrelinhas, Chico Buarque e outros trancados no armário.

Depois do fim do regime militar, livres das censura, floresceram nossos gênios.

Michel Teló é o ápice dessa evolução.

Alguns dos primeiros sinais dessa maré criativa apareceram com a boquinha da garrafa.

Foi um dos momentos mais sensuais da nossa nova era musical.

Tivemos a explosão de deusas com letras desconcertantes como aquela, maravilhosa, vai rolar a festa.

A tempestade criativa continuou: bombamos com a genial rebolation, uma mistura de modernismo com pós-modernismo, de Joyce com Guimarães Rosa, de concretismo com sacanagem.

Do carvalho!

E teve também o novo lobo mau, diz aí menina onde você vai.

E o refrão, que refrão, pós-tudo: vou te comer, vou te comer, vou ter comer.

Tropicalista, baianista, antropofágico, pirotécnico.

Toda ano, uma nova obra-prima,

A arte do escatológico levada ao extremo.

Aí chegou o Teló e matou a pau.

Nunca fomos tão longe.

Tudo pela hedonismo, pelo prazer, pelo acasalamento.

Coisas que intelectuais tapados não compreendem.

Teló representa o pós-humano, o pós-orgânico, o homem ciborgue, o homem finalmente liberado de uma parte do seu corpo, parte inútil, parte chata, parte criadora de problemas, dispensável, o cérebro.

Eu sempre fui contra a ditadura militar, aqueles generais broncos, um sem pescoço, todos carne de pescoço, mandando torturar, matar, prender, arrebentar, censurar e ainda ganhando nome de rua.

Pelo jeito, se quiseremos ter novos Chico e Caetano, teremos de pedir a voltar dos coturnos.

Sem repressão, o pessoal não se inspira.

Fica só na aspiração.

No tempo dos milicos a imaginação popular tinha os seus ícones, de Sidnei Magal a Valdick Soriano.

O duplo sentido, essa arte milenar do bom gosto popular, cantava coisas como onde a vaca vai, o boi vai atrás.

Não tínhamos a Florentina nem a eguinha pocotó.

Ou já tínhamos?

Ou tudo isso já estava no Decamerão e em Gargantua e Pantagruel?

Sei lá.

Sei que agora estamos no auge, na liberdade absoluta, no apogeu.

Michel Teló é o novo Glauber Rocha, o tropicalismo inteiro num homem só.

Meu ídolo.

Barroco, barraco, chacrinesco.

Nada de ditadura.

Salvo, quem sabe, para nos salvar dos humoristas atuais.

Só a ditadura poderia nos livrar do CQC.

Só no pau-de-arara Danilo Gentilli pararia de defecar pela boca.

Quanto ao resto, tudo tem meu apoio.

Especialmente aquela obra-prima, aquele refrão, aquela pérola,

Ai se eu te pego!

Complemento à sacada genial, poética, burilada, dar uma fugidinha com você.

Que tempos!

Que mal tem?

Nenhum.

Só os intelectuais não compreendem.

Não pegam ninguém.

Teló é a cara do Brasil, desse Brasil que dá certo, que brilha lá fora, que ama a vida, que goza e reverbera.

Chegamos no alto. Por baixo.

Ano que vem tem mais.

Como dizia Guy Debord, o que é bom aparece.

E o que aparece é bom.

O resto podem ser muito bom.

O muito bom é ruim.

Choro de perdedor.

E viva Michel Teló.

E pau-de-arara para o pessoal do CQC.


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3 pensamentos sobre “Só a volta da ditadura nos salva do CQC e viva Michel Teló

  1. Pingback: Sobre Teló, BBB e hegemonia « Luizmuller's Blog

  2. Pelo jeito, o texto é bastante irônico. Não acredito que o Juremir esteja defendendo o lixo cultural.

    Às vezes a ironia é uma pegadinha. Eu mesmo reagi indevidamente a algumas delas, pensando ser coisa séria.

    Juremir é suficientemente bem informado para não aceitar esse lixo cultural que supostamente defende no seu texto. E o texto irônico, diferente de outros mais objetivos, tem o claro poder jocoso de uma discordância que se passa por concordância.

    Juremir trabalhou na Folha de São Paulo, que muito apoiou o lixo cultural reinante. E, por isso mesmo, sabe de suas engrenagens. O autor de “A miséria do jornalismo brasileiro” havia criticado duramente o lixo cultural, a sério, com questões pertinentes.

    Ele não poderia virar a casaca. Acho até que Juremir escreveu parodiando e esculhambando intelectuais que, do porte de um Pedro Alexandre Sanches (outro que trabalhou na FSP), defende, este sim, a sério, o lixo cultural.

    Juremir, neste texto, está parodiando a intelectualidade, que com seus Hermano Vianna, Ronaldo Lemos, Pedro Alexandre Sanches, Mônica Neves Leme (que passou o recibo ao já falecido Gregório de Matos em relação às baixarias do É O Tchan) e os baianos Milton Moura e Roberto Albergaria, estes dois altamente cafajestes em seus argumentos, tentam defender a degradação cultural sob a desculpa da “ruptura dos preconceitos”.

    “Ruptura” que havia sido lucidamente questionada pelo saudoso Millôr Fernandes, ainda que não tenha sido endereçada para esses “maravilhosos pensadores”.

    Portanto, não leve a sério as posturas de Juremir. Como escritor experiente, ele no fundo esculhamba tanto a ditadura militar quanto Tchans, Telós, BBBs, CQCs. E que, no fundo, acha que são duas faces de uma mesma moeda, a da velha mídia dominante, capaz tanto de endeusar os milicos de outrora quanto de promover os bregas e popozudas da hora como a “salvação cultural da humanidade”.

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    • Na verdade o Juremir esta xhamando a atenção para a falta de elaboração e criatividade que ronda o país. É só isto, Mas com a capacidade literária dele, o texto chama melhor a reflexão do que simplesmente afirmar o óbvio, por que o óbvio anda escondido pela mídia.

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