
MATHEUS CHAPARINI no Jornal JÁ
Marcelo Giffhorn comercializa sua produção de mel na feira da José Bonifácio há 28 anos. Ele afirma nunca ter tido problemas burocráticos neste período. Entretanto, há algumas semanas, sua banca, a Apiários Adams, recebeu uma vistoria da SMIC (Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio.) e perdeu o direito ao espaço que ocupa há quase três décadas.

Agora, sua banca é uma das mais de dez que atravessaram a rua e ocupam parte da área da Redenção. Essa foi a solução encontrada pela secretaria para que os produtores possam continuar vendendo enquanto regularizam sua situação. Além de Marcelo, outros produtores reclamam que a SMIC está exigindo questões que nunca antes haviam sido exigidas. “O poder público nunca influenciou na feira, que sempre foi iniciativa dos produtores”, reclama o apicultor.

MINISTÉRIO COBRA LEI DOS ORGÂNICOS
Os produtores ficaram meio sem entender o que motivava as batidas da Secretaria na feirinha ecológica. “Até porque em ano eleitoral eles nunca aparecem”, comentou um feirante. O secretário da Produção, Indústria e Comércio, Antonio Kleber de Paula, nega que a presença da SMIC na feira seja uma novidade e garante que a fiscalização é feita desde que a feira existe, “com mais ou menos intensidade, conforme a demanda e o pessoal disponível”.
Entretanto, de Paula reconhece que há um fato novo: em abril deste ano, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) notificou formalmente a Prefeitura para que faça cumprir a Lei dos Orgânicos.
A lei 10.831 foi criada em 2003 e dispõe sobre a produção de alimentos orgânicos. Em 2007, a lei foi regulamentada através de um decreto, mas somente em 2011 passou a vigorar. A partir daí, iniciou-se uma discussão entre feirantes, consumidores, Ministério e Prefeitura que resultou na resolução 03/12, de dezembro de 2012, que disciplina a realização de feiras ecológicas no Município.
Em 2014, o Ministério considerou que a Prefeitura não estava fiscalizando adequadamente a aplicação da lei e retomou o debate. Agora, em abril deste ano, o MAPA encaminhou um ofício à Prefeitura, cobrando a execução efetiva da legislação. A partir daí, a SMIC intensificou a fiscalização nas feiras.
DA LAVOURA AO GUICHÊ DA BUROCRACIA

Quem comercializa produtos como farinha de milho, erva mate de carijo e até aipim descascado, que são processados, está enfrentando problemas. Pela legislação, para comercializar estes produtos é necessário possuir uma agroindustria própria e constituir uma empresa.
Alguns feirantes afirmam que há aí outro empecilho, pois, se tornando empresário, eles acreditam que o feirante perca os incentivos a que tem acesso como produtor rural, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), por exemplo. O secretário da SMIC nega e afirma que há inclusive linhas de crédito específicas para a pequena agroindústria.
Quem produz farinha de milho, por exemplo precisaria ter um moinho próprio, o que não depende só de dinheiro, mas de questões práticas como ter um rio na propriedade e conseguir uma roda de moinho, artigo raro hoje em dia. A clientela também reclama. “Para comprar o produto orgânico é essa dificuldade, mas se eu quiser ir no mercado e comprar um transgênico não tem burocracia”, disparou uma cliente que foi à feira comprar farinha e saiu de mãos vazias.
Há ainda um terceiro caso, das famílias que têm o alvará da banca e a certificação de orgânico em nomes diferentes. É o caso da banca de José Odair Justin, que está funcionando provisoriamente na área do parque. A certificação está no nome de uma de suas filhas, Luciana, e a empresa, no nome de Odair. Além disso, há outros empecilhos, como a falta de algumas informações no rótulos dos produtos. Odair afirma que já encaminhou as providências e espera retomar seu posto na feira já nas próximas semanas.
CERTIFICAÇÃO DO MEL CUSTA CARO

Outro problema é o custo da certificação. Há duas modalidades de certificação de orgânicos: paga ou participativa. Na participativa, são os próprios produtores que fiscalizam uns aos outros, o que barateia, mas demanda mais tempo, em reuniões e visitas. Na outra, o produtor paga uma organização habilitada para a certificação.
Segundo Marcelo Giffhorn, não há organizações habilitadas para a certificação no Brasil e a certificação para apicultores custa entre R$ 15 e 20 mil ao ano, que refletem diretamente no preço final dos produtos orgânicos. “Não é o produto que é caro, é que o produtor tem que pagar a certificação. Será que vale a pena eu gastar essa grana pra vender na feirinha ou vou ter que me render à exportação? Porque lá fora o pessoal valoriza…”
Marcelo teve que optar pela certificação paga, pois suas caixas de abelha estão espalhadas por mais de 10 municípios do estado, o que dificultaria a avaliação participativa. O apicultor afirmou que já encaminhou a documentação necessária para dar início à certificação. Após concedido o certificado, há ainda um período de transição de quatro meses. Marcelo espera poder voltar para o outro lado da rua em meados de novembro.
Para Marcelo, o pior efeito deste processo é gerar um certo “ranso” entre os feirantes, ele também contesta a ideia de que na feira sejam vendidos apenas alimentos. “Isso aqui é muito mais que uma feira de orgânicos, é uma feira cultural, um cartão de visitas pra Porto Alegre.”
Já Odair reclama da burocratização para a produção de orgânicos. “Eu sou agricultor, eu entendo é de plantar, mas cada vez mais para plantar nós temos que entender da burocracia.” Ele defende a criação de organismos de acompanhamento nos municípios. “Seria melhor orientar antes do que punir o agricultor depois. A gente não tem a intenção de fazer nada errado.”

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