por Monica Stival no GGN

Talvez a análise mais comum na esquerda, tanto naquela que se opõe ao PT quanto na esquerda que disputa o PT fazendo parte do partido, é a de que o Partido dos Trabalhadores, por um lado, afastou-se dos movimentos sociais e, por outro, cedeu demais às alianças (célebre governabilidade). Parte dessa ampla esquerda entende que é possível retomar o modus operandi que formou o partido para sanar o primeiro erro; para sanar o segundo erro, a reforma política. Parte ou à parte do partido, parece que a dupla aposta pode ser muito promissora. Contudo, gostaria de encontrar mais espaço à parte, por entender que às vezes o erro foi demais; mas aí o discurso me parece extremamente equivocado.
Há, afinal, aqueles que não se dão ao trabalho de diferenciar (e não se trata de capacidade, de modo algum, mas de escolha narrativa) os possíveis “erros do PT” dos projetos que lhe fazem oposição sistemática. Não sei se é pra construir uma identidade distinta, mas vejo muita gente insistindo na tese do “sujo e mal lavado”, “farinha do mesmo saco” e, depois, suando pra garantir que a direita não volte ao centro do poder executivo (dito e reconhecido retrocesso). Não teriam já colaborado para que ela ganhasse mais espaço não apenas no legislativo, mas, muito pior, no imaginário social?
Vejam, nem de longe se poderia atribuir a responsabilidade principal pelo quadro conservador dessas eleições a essa ampla esquerda. Porém, acredito que ela tem uma pequena parcela de responsabilidade sim. A parcela menor é mais importante pra mim porque deixa muitos de nós “fora de lugar”.
Acredito que fazer o balanço dessas eleições pela esquerda signifique repensar o que faz de um discurso de esquerda um discurso realmente crítico. Para mim, esse elemento é o discernimento, a diferenciação, e seu primeiro efeito é manter a crítica ao PT em um plano muito diferente da crítica ao PSDB (pra não falar de todo o resto). Talvez no Rio de Janeiro tenhamos visto isso acontecer (um brinde a Freixo e Wyllys), mas em São Paulo parece que a ausência desse tipo de distinção jogou muita água no moinho da direita. Se tudo era igual, não poderia ter ficado diferente apenas no segundo turno; e se é diferente no segundo turno, que se tenha o cuidado de identificar essa diferença no dia a dia.
Dou um exemplo concreto, entre muitos possíveis. Na greve das universidades federais de 2012 ouvi em muitas assembléias que “a universidade nunca esteve tão sucateada”, e as mesmas bocas nervosas gritaram Dilma para o segundo turno de 2014, apavorados com a possibilidade da volta do governo tucano. Apavorados porque quem esteve nas universidades antes de 2003 sabe muito bem que essa frase era apenas uma maneira pouco criativa e nem um pouco verdadeira de defender a greve (que foi necessária, mas durou mais do que o necessário – demora causada pela mesma falta de discernimento). Digamos que o “perspectivismo” que abstrai um caso do conjunto corre o risco de dissolver a crítica necessária de um assunto na frágil afirmação de que tanto faz quanto tanto fez.
É mais fácil se posicionar quando há dois lados claros, e quando tudo é confuso – sempre, na vida real – é mais fácil ainda recusar tudo, simplesmente. Mais difícil, parece, é ter clareza dos lados no cotidiano. É preciso, acredito, ter cuidado com a posição diária, para que se possa fazer crítica à esquerda sem perder do horizonte os riscos do processo, o sentido e o peso de cada disputa. Por mais que o PT tenha se afastado dos movimentos sociais ou tenha feito alianças pela governabilidade, não é nem de longe igual ao PSDB; garantir a evidência dessa linha é condição, inclusive, para notar os momentos nos quais o PT pula a cerca – do que depende a crítica à esquerda. É essa esquerda que procuro, faça ela parte ou esteja à parte; porém, não a vejo hoje em parte alguma.
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