Por mais que você, homem sensível, diga que sente na pele, jamais sentirá o pavor de vislumbrar no beco a ameaça do estupro que ronda as mulheres no Brasil
Por mais que a gente se diga envergonhado, por mais que você, homem sensível, diga que sente na pele, por mais que esteja indignado e solidário, por mais que tente eliminar o machismo em atos e palavras, por mais que faça sua parte, por mais que não entenda a covardia e monstruosidade dos seus semelhantes, por mais que peça punição contra a barbárie na zona sul ou no Morro São José Operário, zona oeste do Rio de Janeiro… Jamais sentirá o pavor de vislumbrar no beco, na próxima esquina, a sombra do inimigo, a ameaça do estupro que ronda as mulheres no Brasil cada vez que o relógio corre 11 minutos. Por mais que você até arrepie os pelos, jamais sentirá na carne.
Mea culpa
Por mais que você resolva deixar de ser reaça e retire o seu apoio aos projetos-de-lei homofóbicos do Congresso, aos projetos anti aborto etc. Por mais que você esqueça o passado de porco chauvinista. Por mais que você cresça e deixe de puxar os cabelos das meninas nos bares, festas e boates. Por mais que você saque e nunca mais caia na besteira de achar que existe “vadia para transar e santinha para o casamento”. Por mais que tudo isso seja um avanço, ainda é pouco, muito pouco, pouco mesmo para sentir o drama que apavora as mulheres no vagão do trem, na rua escura, no parque…
Por mais que ampliamos a vergonha para todos nós que fomos ou somos machistas, por mais que façamos um mea culpa histórico, por mais que o crime hediondo seja punido exemplarmente, por mais que tenhamos uma ideia da maldade humana nos livros de ficção e na realidade… Por mais que tudo isso aconteça, estamos ainda muito distante deste horror inominável.
Por mais que ralamos as nossas rótulas da culpa no “Ajoelhaço” anual da Cooperifa — pedido de perdão coletivo de homens na zona sul de São Paulo por erros e maus-tratos às mulheres —, por mais que a reeducação de hábitos e atitudes surta algum efeito… Mesmo assim, sinto muito, estaremos apenas começando a entender o desastre da “cultura do estupro”.
Por mais que sonhemos com outro tempo, o tempo da delicadeza, o implacável relógio nos despertará, daqui a 11 minutos, para mais uma ocorrência.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor do romance “Big Jato” (ed. Companhia das Letras”, e comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
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Xico: por favor, dê uma direção ao seu texto. É verdade, não temos como sentir. Temos é como agir e, os homens que amamos as mulheres estamos fazendo isso. Me diga, o que mais fazer? Devemos cometer suicídio em massa? Ou continuar lutando? Devemos caçar e linchar os estupradores ou lutar pra que sejam punidos?
Situe-se.
Nem todo homem é um estuprador.
Ou, se não tiver o que dizer, cale-se.
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