Levamentos mostram que postagens em série, repetidas e em intervalos curtos ajudam a criar engajamento
Bernardo Mello, João Paulo Saconi e Marlen Couto em O Globo

RIO – Pautas bolsonaristas tiveram perfis com comportamentos de robôs entre seus principais impulsionadores no Twitter em quatro momentos distintos ao longo deste ano. É o que apontam levantamentos a partir de postagens relacionadas ao julgamento da prisão em segunda instância pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aos recentes ataques à deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ao perfil “Pavão Misterioso” e ao movimento em defesa do ministro da Educação, Abraham Weintraub, nos protestos contra cortes no orçamento da pasta em maio.
Além de apontar para a existência de uma articulação entre contas automatizadas — os chamados “bots” — e militantes virtuais, os casos indicam o peso desses perfis na criação de engajamento em assuntos de interesse do presidente Jair Bolsonaro e de seus filhos, principalmente o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Nos quatro assuntos analisados, o presidente ou seus filhos abordaram os temas em seus perfis.
Nesses casos, contas que lideraram a lista de principais publicadores das hashtags têm alto número de tuítes em um curto intervalo de tempo. O levantamento foi feito com auxílio das ferramentas Tweet Archivist, que coleta a evolução de hashtags, e Pegabot, que indica a probabilidade de um perfil ser automatizado a partir do seu comportamento.
A campanha eleitoral do ano passado foi marcada pela ação de robôs para disseminar conteúdo político de diferentes partidos. Ainda na pré-campanha, estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) revelou que a maior incidência de “bots” ocorria nos polos políticos, em grupos identificados com Bolsonaro e com o ex-presidente Lula.
O mecanismo para engajar
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“Fábricas” de conteúdo Circulação em redes sociais
Apoiadores de Bolsonaro se reúnem virtualmente, muitos deles no WhatsApp e no Reddit (fórum de discussão). São elaborados conteúdos sobre causas bolsonaristas ou alvos específicos. Empresas de marketing digital também atuam na produção. O conteúdo elaborado nos grupos chega às principais redes sociais — Twitter, Facebook e Instagram. Imagens, vídeos, hashtags e notícias falsas ou distorcidas são publicados por contas com comportamentos humanos e sem indícios de automatização Pró-governo A transmissão de conteúdos Há fluxos orgânicos e automatizados. Ao mesmo tempo em que usuários compartilham conteúdos entre si, há disparos de mensagens automáticas que espalham a produção Instagram Twitter Facebook EXEMPLO:Perfis com comportamento automatizado publicaram hashtag associada a saudações em 11 idiomas EXEMPLO:Imagens com ataques a Joice Hasselmann circularam em grupos de WhatsApp Engajamento e relevância
Amplificação no Twitter Os conteúdos ganham a chancela de influenciadores de alcance médio (internautas com alguma projeção, jornalistas e outros) e de alcance expressivo (políticos que integram a base bolsonarista, e algumas vezes da própria família Bolsonaro). Isso amplifica a circulação dos conteúdos e os temas caros à militância se tornam atrativos para observadores externos. Com o uso de robôs, apelidados de “bots”, o conteúdo se espalha pelo Twitter via publicações repetitivas e monotemáticas. Comportamentos comuns em contas automatizadas:Robôs, em geral: publicam com alta frequência e velocidade sobre temas pouco diversos, retuítam mais do que escrevem, têm vocabulário restrito, mencionam perfis de influenciadores e políticos e ocultam a identidade de seus criadores Influencers Conteúdo Publicadores Contas que publicam sistematicamente conteúdos conforme programados, como hashtags #Bots Usuários Replicadores Contas que apenas republicam conteúdos de outras contas e os amplificam Publicadores e replicadores Contas que unem os dois comportamentos são a maioria #EXEMPLO:Publicações da família Bolsonaro mostram como causas podem ser amplificadas quando encontram eco em perfis influenciadores
Ações automatizadas
Durante o julgamento no STF, foram coletados quase 12 mil tuítes com #PrisaoEm2aInstanciaSim entre as manhãs de quarta e quinta-feira passadas. A amostra alcançou mais de 22 milhões de “impressões” no Twitter — quantidade de vezes em que apareceu em linhas do tempo de outros usuários. O GLOBO identificou ações automatizadas em todos os dez usuários com mais tuítes citando a hashtag nesse período, e cujas postagens corresponderam a 5% do total da amostra
O perfil com mais publicações fez 158 posts em um dia e tem ao menos cinco contas “gêmeas”, identificadas pelas mesmas imagens e que replicam conteúdo entre si. O mesmo perfil figurou em levantamento feito pelo site da revista “Galileu”, em agosto, como o mais ativo na hashtag #AmazôniaSemONGs, usada para defender o governo em meio às queimadas na Amazônia.
A conta de Bolsonaro foi usada para comentar o julgamento do STF. No dia 17, uma mensagem do presidente dizia que “sempre deixamos clara nossa posição favorável em relação à prisão em segunda instância”. Apagado em seguida, o texto havia sido publicado em nome do pai por Carlos, que pediu desculpas pela publicação “sem autorização”.
Outra hashtag que mobilizou recentemente a família Bolsonaro é a #DeixeDeSeguirAPepa. Compartilhada por Eduardo, a campanha para reduzir seguidores dos perfis de Joice Hasselmann faz referência à personagem de desenho animado Peppa Pig e começou após a deputada ser destituída da liderança do governo no Congresso em meio à crise no PSL.
Uma amostra obtida pelo Tweet Archivist na última quinta-feira — limitada, neste caso, a cerca de 1,5 mil tuítes da semana passada, quando o boom da frase já havia passado — aponta que os dez usuários mais ativos da campanha #DeixeDeSeguirAPepa também tinham características de robôs e sozinhos corresponderam a 7% do total de postagens.
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