
A leitura do livro de Eduardo Galeano – As veias abertas da América Latina – é um clássico dos cursos de História e Sociologia em todo o continente. Ali ele trata do longo processo de exploração que sofremos desde que fomos “descobertos” pelos colonizadores. Os tempos contemporâneos mudaram a forma da espoliação, mas ela continuou subsistindo ao longo das décadas do século XIX, XX e XXI. Já não vivemos sob o cerco colonial, viramos países independentes mas continuamos até hoje trocando “bananas”, metaforicamente falando, por produtos industriais e serviços tecnológicos – INTERNET e REDES – de elevado valor agregado. No pós guerra, fins da década de 1940, o Economista argentino, Raul Prebish, logo seguido pelo chileno Anibal Pinto e o brasileiro Celso Furtado, demonstraram como isso nos levaria à eternização da pobreza. Consagraram a denúncia dos desfavoráveis Termos de Intercâmbio entre o Centro e a Periferia dos Mercados Globais, e abriram caminho para as “alternativas desenvolvimentistas” de Perón e Vargas.
Na Argentina, quando já dispunham de uma indústria aeronáutica em 1949, sobrevieram os golpes “liberais”, que conduziram los hermanos a triste situação que hoje se encontram. Naquele tempo, a Argentina era a segunda maior economia do mundo. O Brasil ainda engatinhava, contemporizou e chegou até a indústria petroquímica, mesmo sob o comando de um General Presidente, Ernesto Geisel. Hoje, estamos, novamente, confrontados com o dilema do desenvolvimento e sob as tensões de um império decadente que inverte os termos e diz, na voz de seu Presidente – Trump – que estão cansados de serem aproveitados pelo seu quintal. Advieram ameaças políticas de enquadramento à vontade do Reino e tarifas escorchantes que estão levando empresas brasileiras que se especializaram em exportar para os Estados Unidos, ao desemprego e compressão do PIB. Sobraram tensões desde que isso foi se anunciando e de repente, não mais que de repente, nossos Presidentes se encontram no corredor da ONU, substituindo-se na tribuna, e faz-se magicamente a química do encanto. Diz Trump em seu discurso: “Nos abraçamos. Ele gostou de mim.Eu gostei dele. Lula é um homem bom. Vamos nos encontrar semana que vem”.
Grande alívio, tudo com jeito de um improviso que esconde o grande esforço de empresários brasileiros – leia-se JBS entre eles – e americanos junto à Casa Branca, para recompor relações diplomáticas ameaçadas: Cambio caiu ao menor nível dos últimos tempos – R$ 5,31 por dólar – e o IBOVESPA foi às alturas. Além da Fí$ica, a “Química” também ajudou. Oxalá perdure.
Nesse meio tempo, é bom, entretanto, não soltar foguetes. Melhor preparar-se para o que der e vier. E aqui, abaixo, algumas “lembranças” que os diplomatas deverão municiar Lula para não ser pego de surpresa: Ter indagações insinuantes para eventual contra-ataque. Lembrar o Presidente, sobretudo, que as vantagens americanas não se resumem aos US$ 400 bilhões de comercial a favor dos Estados Unidos nos últimos 15 anos. Há muito mais. Nós financiamos o Tesouro americano com Reservas de US 350 bilhões, há mais de vinte anos, com um ônus imenso em nossa dívida interna; há , também, no Brasil, cerca de 4 mil empresas americanas que exploram nosso mercado e enviam bilhões para lá a título de royalties, assistência técnica e lucros; acionistas americanos recebem anualmente, sem pagar imposto de renda, bilhões em dividendos da nossas S.A., começando pela PETROBRAS, além de morderem grande parte dos juros pagos a detentores de títulos do Governo Brasil – 15% a.a. -. Para finalizar, milhares de brasileiros visitam e compram diuturnamente nos Estados Unidos e outro tanto estuda nas suas Universidades pagando elevadas tarifas.
E assim se vai nosso precioso sangue para o Tio Sam…E ele se diz inanimado de tão explorado por nós. Pobrezinho!!!!Oressa!!!
PAULO TIMM, aposentado, é economista, formado pela UFRGS. Pós-Graduado na ESCOLATINA, da Universidade do Chile e CEPAL/BNDES. Foi professor da Universidade de Brasília – UnB – e Técnico do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento, em Brasília, onde residiu por 35 anos e onde fez sua vida profissional e pública.
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Muito bom o artigo do nosso eminente economista.
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Lembro que Eduardo Galeano inseriu, em “As Veias Abertas da América Latina”, uma frase lapidar: “Na América Latina sempre se entregam os recursos em nome da falta de recursos”.
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Já se passaram mais de meio século desde que o livro foi escrito e, infeliz e lamentavelmente, os governos de “Nuestra América” seguem se recusando a prestar a atenção no alerta de Galeano e entregando nossos recursos.
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O próprio governo Lula III prossegue, absurdamente, com as privatizações. Tenho plena ciência de que esse governo não teria condições políticas para tomar várias medidas imprescindíveis para fazer o país tomar novo rumo.
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Revogar as “reformas” da Previdência e Trabalhista, o “Teto dos Gastos”, a PPI da Petrobras, o Novo Marco Regulatório do Saneamento, inúmeras privatizações, se não todas, seriam essas medidas. Porém, um aceno neste sentido significaria, certamente, um novo golpe de Estado.
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Esse golpe de Estado colocaria no poder um governo neoliberal/entreguista/privatista puro, para acelerar, a toda velocidade, a entrega do que resta do país.
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Porém, penso que, se pretende, realmente, reindustrializar o país e preservar a soberania do nosso povo sobre o que é nosso, o governo Lula III teria a obrigação de cessar, de barrar por completo as privatizações. É lamentável, mas não é o que estamos vendo.
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As privatizações só ampliam o já desmesurado poder de que dispõem os grandes grupos privados para ditarem os rumos do país.
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Além disso, como parte expressiva, possivelmente a maior parte, do que é privatizado vai acabar em mãos de grupos privados estrangeiros, as privatizações funcionam como um instrumento de descapitalização de um país que carece de capital para investir em seu próprio desenvolvimento.
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é como dizes. Certos movimentos do governo abririam caminho para um novo golpe, assim como fizeram com a Dilma. E eles só foram barrados no golpe que durou de 2015 a 2022, por que parte da burguesia internacional achou que as coisas estavam indo longe demais e barraram o Moro e sua Lava Jato em 2020/21. Assim aconteceu em 22 o que deveria ter acontecido em 18. Lula ganhou a eleição. E precisa ganhar de novo. Pra isto acordos são necessários, senão não sobra nada pro povo. E é com este povo que precisamos contar para ir dando uma guinada mais forte. Hoje ainda não contamos. Lula tá certo: devagar se vai ao longe, já dizia meu avÔ.
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Sobre a Argentina – que era, hoje já não sei se ainda é, tal a destruição que sofreu, um dos países mais viáveis do planeta – assisti a um excelente documentário que mostra o imenso potencial do país vizinho.
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O documentário “Argentina Latente”, de 2007, foi produzido pelo cineasta argentino Fernando Pino Solanas. Mostrando o potencial do país, Solanas afirma, ainda nos inícios do filme, que a indústria Argentina fabricava mais de 90% do que seu povo consumia.
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Este dado casa com o que me disse um colega de faculdade no final da década de 1990, se a memória não me trai. O colega afirmou que a ONU havia encomendado um estudo para detectar, entre os países do chamado Terceiro Mundo aqueles que teriam a capacidade de, hipoteticamente, alcançar níveis elevados de desenvolvimento apenas com seus próprios recursos. A Argentina foi classificada em primeiro lugar nesse estudo, me disse o colega.
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Adiante, no documentário, o cineasta diz que: “Na década de 1970, os governos dos Estados Unidos e a Comissão Trilateral propunham que os governos do Chile e da Argentina deviam desarticular seus parques industriais para serem provedoras de matérias-primas; O Brasil seria o polo industrial do Cone Sul”. E isto aconteceu: os parques industriais da Argentina e do Chile foram dizimados pelas políticas neoliberais, deliberadamente.
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Podemos notar que o desmantelamento do parque industrial brasileiro ficaria para mais tarde, com a chamada década perdida, de 1980, mas, de forma muito mais incisiva a partir do afundamento do nosso país no neoliberalismo, a partir da implantação do Plano Real por Fernando Henrique Cardoso e sua moeda forte (sic).
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O magnífico documentário de Fernando Pino Solanas está disponível em
La Argentina latente.avi
https://www.youtube.com/watch?v=wcVjnCpRwkE.
ou
Documental “Argentina Latente” de Pino Solanas
https://www.youtube.com/watch?v=b35nhfw51eU.
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O documentário está disponível também dividido em dez partes no link https://www.youtube.com/playlist?app=desktop&list=PL173C2C0C661F3F33
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