Nem só de informação vive o ser humano, mas também da necessária formação, para compreender a informação. E esta formação de cada um só vem da confrontação com o conhecimento de outrem e através da experiência concreta no mundo. Num mundo onde a ideologia assume os mais diversos matizes, é preciso conceituar o que esta nesta palavra que tantos usam e tão poucos praticam. Será que a perfeição almejada pela ideologia (seja ela qual for) é mesmo possível? O pai da ideologia foi Platão. O texto que transcrevo abaixo, foi uma pequena dissertação escrita po mim para uma das cadeiras do curso de Filosofia da ulbra, mas pela sua atualidade, julguei importante reproduzir neste espaço. Boa Leitura.
Luiz Müller
Introdução
Platão era filho de uma nobre família ateniense e seu nome verdadeiro é Arístocles. Seu apelido de Platão é devido à sua constituição física e significa “ombros largos”. Ele foi discípulo de Sócrates e após a sua morte, fez muitas viagens, ampliando sua cultura e suas reflexões.
Por volta de 387 a.C., Platão fundou sua própria escola de filosofia, nos jardins construídos pelo seu amigo Academus, o que deu à escola o nome de Academia. É uma das primeiras instituições de ensino superior do mundo ocidental.
Platão defendia uma realidade própria por detrás do «mundo sensível». A esta realidade chamava ele o mundo das idéias. Encontramos aqui os modelos eternos e imutáveis, os arquétipos por detrás dos diversos fenômenos que se nos deparam na natureza. Designamos esta importante concepção por teoria da idéias de Platão. Neste contexto surge a distinção radical entre o mundo sensível e o mundo inteligível, cada um deles com existência autônoma. O primeiro corresponde ao mundo da corporeidade, contingente e corruptível, domínio da mudança, da diversidade e das aparências; o segundo é o mundo das essências ideais, imutáveis, necessárias e eternas, em suma, da permanência da unidade e da Verdade universal.
Escrita por Platão, A República é o maior, ou um de seus maiores diálogos,, e certamente o mais importante, constituindo um dos marcos fundamentais do pensamento ocidental.
Platão começa este longo diálogo por discutir a questão da justiça, do que é e não justo, para a identificar com o bem. Justiça para Platão é, pois, fazer o bem. Mas como distinguir o bem do mal ? O que é justo do injusto ? A verdade da mentira ? O real das “sombras” ? Na discussão desta difícil problemática a visceral antipatia de Platão pelos sofistas quase se abate: ele acaba por reconhecer que os sofistas, em vez de corruptores do povo, são a própria imagem do cidadão comum .
É na alegoria da caverna que Platão vai por um lado evidenciar as razões por que há tanta confusão acerca da questão da justiça – e de muitas outras coisas – e por outro justificar a necessidade da educação na criação de um novo cidadão, com o qual será possível construir um mundo melhor e mais justo: a República.
Do mundo sensível das opiniões ao mundo inteligível das idéias
Segundo Platão, os sentidos só podem nos fornecer o conhecimento das sombras da verdadeira realidade, e através deles só conseguimos ter opiniões. O conhecimento verdadeiro se consegue através da dialética, que é a arte de colocar à prova todo conhecimento adquirido, purificando-o de toda imperfeição para atingir a verdade. Cada opinião emitida é questionada até que se chegue à verdade
Aprisionado no seu corpo, o homem só consegue enxergar as sombras e não a realidade em si. Para explicar isso, Platão cria a “Alegoria da Caverna”.
Há homens presos, desde meninos, presos por correntes nos pés e no pescoço, com o rosto voltado para o fundo da Caverna. Próximo à entrada da caverna desfila-se com muitos objetos diferentes, cujas sombras são projetadas pela luz do Sol na parede do fundo. Os prisioneiros contemplam as sombras, pensando tratar-se da realidade, pois é a única que conhecem.
Um dos prisioneiros consegue escapar, e, voltando-se para a entrada da caverna, num primeiro momento tem sua vista ofuscada pela luz intensa, mas aos poucos ele se acostuma e começa a descobrir que a realidade é bem diferente daquela que ele conheceu a vida toda, por meio das sombras. Esse homem se compadece dos companheiros da prisão e volta para lhes anunciar aquilo que contemplara. Ele é chamado de louco e é morto pelos companheiros.
No texto que se segue vamos analisar esta alegoria com os “olhos de hoje”, retirando-a do seu contexto na Grécia antiga de há 2.400 anos para a colocar na sociedade da informação. Veremos se passados mais de vinte e quatro séculos após a sua concepção, a obra de Platão continua “viva e com todo o tipo de relevâncias para a vida contemporânea”.
As Etapas do Saber
Com essa metáfora – O Mito da Caverna – Platão quis mostrar muitas coisas. Uma delas é que é sempre doloroso chegar-se ao conhecimento, tendo-se que percorrer caminhos bem definidos para alcançá-lo, pois romper com a ignorância requer sacrifícios.
A caverna de Platão, é, entre outros vetores possíveis de análise, uma visão alegórica sobre a educação e a libertação, mas também, em última análise, uma revelação do potencial de dominação e opressão que a educação pode ter sobre o ser humano.
Como os prisioneiros nem sequer podem ver o seu próprio corpo ou o das outras pessoas, inevitavelmente confundem as sombras e os ecos refletidos na parede à sua frente com a própria realidade, pois não conhecem outra.
Que situação sem nexo, diremos nós.
Ao seu interlocutor no diálogo, Glauco, que lhe faz uma observação semelhante, Platão responde:
“Eles são como nós !”
A situação dos prisioneiros na caverna retrata, para Platão, precisamente a condição humana. Nós nascemos numa confortável escravatura de ignorância e é extremamente difícil, sem ajuda, tomar consciência dela e distinguir a realidade (a verdade) da ilusão. É preciso buscar o conhecimento para fugir do senso comum e da escuridão da caverna.
A primeira etapa a ser atingida é a da opinião , quando o indivíduo que ergueu-se das profundezas da caverna tem o seu primeiro contato com as novas e imprecisas imagens exteriores. Nesse primeiro instante, ele não as consegue captar na totalidade, vendo apenas algo impressionista flutuar a sua frente. No momento seguinte, porém, persistindo em seu olhar inquisidor, ele finalmente poderá ver o objeto na sua integralidade, com os seus perfis bem definidos. Ai então ele atingirá o conhecimento. Essa busca não se limita a descobrir a verdade dos objetos, mas algo bem mais superior: chegar à contemplação das idéias morais que regem a sociedade – o bem , o belo e a justiça .
O Visível e o Inteligível
Há pois dois mundos. O visível é aquele em que a maioria da humanidade está presa, condicionada pelo lusco-fusco da caverna, crendo, iludida que as sombras são a realidade (senso comum). O outro mundo, o inteligível, restrito a alguns poucos. Os que conseguem superar a ignorância em que nasceram e, rompendo com os ferros que os prendiam ao subterrâneo, ergueram-se em busca da luz e das essências maiores do bem e do belo. O visível é o império dos sentidos, captado pelo olhar e dominado pela subjetividade; o inteligível é o reino da inteligência percebido pela razão . O primeiro é o território do homem comum preso às coisas do cotidiano, o outro, é a seara do homem sábio (filósofo) que volta-se para a objetividade, descortinando um universo diante de si.
Os Dois Mundos de Platão
| Mundo visível | Mundo inteligível |
| A sua geografia limita-se ao espaço sombrio da caverna | É todo universo fora da caverna, o espaço composto pelo ar e pela terra inteira |
| Caracteriza-se pela escuridão, é um mundo de sombras, de lusco-fusco, de imagens imprecisas (ídolos) | Dominado pela claridade exuberante de Hélio, o Sol que tudo ilumina com seus raios esplendorosos, permitindo a rápida identificação de tudo, alcançando-se assim a ciência (gnose) e o conhecimento (episteme) |
| Nele o homem se encontra encadeado, constrangido a olhar só para a parede na sua frente, ficando com a mente embotada, preocupando-se apenas com as coisas mesquinhas do seu dia-a-dia | Plenitude do homem liberto da opressiva caverna, podendo investigar e inquirir tudo ao seu redor conhecendo enfim as formas perfeitas |
| Homem dominado pelas sensações e pelos sentidos mais primários | Homem orientado pela inteligência (nous) e pela razão |
| Em situação de desconhecimento e ignorância (agnosis) | Em condições de cultivar a sabedoria e a busca pela verdade e pelo ideal da junção do bem com o belo |
| Condição em que se encontra o homem comum | Condição do filósofo |
O Desconforto do Sábio
Platão então pergunta (pela boca de Sócrates, personagem central do diálogo A República), o que aconteceria se este ser que repentinamente descobriu as maravilhas do mundo dominado por Hélio, deus da luz, o fabuloso universo inteligível, descesse de volta à caverna? Como ele seria recebido? Certamente que os que se encontram encadeados fariam mofa dele, colocando abertamente em dúvida a existência desse tal outro mundo que ele disse ter visitado. O recém-vindo certamente seria unanimemente hostilizado. Dessa forma, Platão traçou o desconforto do homem sábio quando é obrigado a conviver com os demais homens comuns. Não acreditam nele, não o levam a sério. Imaginam-no um excêntrico, um idiossincrático, um extravagante, quando não um rematado doido. Mas sempre há uns poucos que se convencem do mundo diferente que há lá fora.
Desta forma, a Alegoria da Caverna torna-se uma imagem da coragem e da responsabilidade pedagógica do filósofo.
Segundo Gaarder (1985) “Para Platão, a relação entre a escuridão da caverna e a natureza lá fora corresponde à relação entre os objetos da natureza e o mundo das idéias” (p. 85)
NA APARÊNCIA DAS SOMBRAS O CONCEITO DE IDEOLOGIA
É mais ou menos evidente tirar daí uma noção que o mundo que consideramos real é na verdade ilusório e que a maioria dos homens não é capaz de enxergar a essência por detrás das aparências das sombras. Neste sentido Platão está na raiz do tão popular quanto mal definido conceito de ideologia, alimenta correntes filosóficas tão distintas quanto o idealismo e o marxismo e até mesmo o frio positivismo.
AS SOMBRAS TAMBÉM APARENTAM CONCEITOS RELIGIOSOS
Também impulsionou as mais variadas correntes religiosas, em especial aquilo que se convencionou chamar de gnose – raiz de boa parte do pensamento místico contemporâneo – impulsionada pelo desejo da superação das limitações do conhecimento humano presos na caverna de sombras que tomamos por reais. Não foi difícil para eles associar a imagem daquele que traz a verdade vindo de fora da caverna ao de um salvador, vinculando a salvação ao conhecimento da realidade, sentimento que estimulou a busca da verdade.
Tal como os homens na caverna de Platão, nós enxergamos o mundo a partir de sombras, embora tenhamos a ilusão de que estas sombras são o mundo real. Isto é verdade em um sentido físico na medida que enxergamos as coisas através da luz que elas refletem e não as próprias coisas, como a ciência já demonstrou; mas é verdade também em um sentido mais profundo, na medida que atribuímos significados e sentidos ao que vemos não segundo eles próprios, mas em função dos valores, da visão de mundo, que recebemos através da nossa cultura.
A própria linguagem é, neste sentido, uma ideologia que molda a realidade segundo um conjunto de valores e crenças, uma codificação da realidade como as sombras da caverna.
Uma determinada visão de mundo, porém, vai além de simplesmente dar forma à imagem da realidade que se forma em nossa mente, mas também determina a forma como o próprio pensamento irá se formar.
A camada transparente através da qual enxergamos a realidade só pode ser eficiente se for invisível, se produzir sombras que tal como as da Caverna de Platão, forem tomadas como realidade. É um processo que se dá nos níveis mais profundos da consciência e não um mero “disfarce” da realidade que pode ser desvelado facilmente como imaginou Marx. Talvez seja por isso que as várias visões de mundo se julguem, as únicas verdadeiras, afinal as cavernas dos vizinhos são sempre mais escuras…
CONCLUSÃO
Segundo Marilena Chauí:
“O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética,. O que é a visão do mundo real iluminado? A filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense?) Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro”. (in. Convite a Filosofia, capitulo 3, página 41, Marilena Chauí)
No transcorrer da História do Pensamento, as interpretações da obra de Platão foram determinadas por vários contextos. Inicialmente pelos discípulos mais diretos, a perspectiva ontológica – metafísica assumiu relevo proeminente na interpretação do seu texto filosófico, sendo seguida, depois, por interpretações voltadas mais ao divino e religioso. Na era moderna o enfoque foi o político e educacional. Atualmente tem se enfatizado sobremaneira o aspecto da “oralidade dialética”, aquela parte da filosofia platônica que não foi condensada em textos, e que, alguns discípulos, mesmo a contragosto de Platão, transcreveram de sua aulas na academia.
A dialética assume, assim, esta função desveladora à medida que possibilita ao homem atingir a essência das coisas que já deveria possuir no interior de sua alma. Um exemplo de como a dialética pode fazer com que o homem retire de si mesmo a verdade que ignorava.
Através de algumas passagens do diálogo A República, e por conseqüência, na Alegoria da Caverna, é possível afirmar que Platão utilizou-se do método dialético para alcançar as Idéias e para passar das Idéias mais simples até chegar às Idéias – Números. É certo, contudo, que Platão não conseguiu materializar em escritos como isto se dava, até porque acreditava que a dialética somente atingia a sua plenitude na dimensão da oralidade, não sendo portanto, possível transcrever todo o conhecimento, mas apenas transmiti-lo pelo jogo oral da dialética.
BIBLIOGRAFIA:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução coordenada por Alfredo Bosi. 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro, Porto Alegre, Ed. Globo, 1969
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia, Romance da História da filosofia. 10ª Reimpressão, Tradução de João Azenha Jr. – São Paulo: Companhia da Letras, 1995
JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3ª ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1996
PLATÃO. A República. Tradução Enrico Corvisieri São Paulo, Ed. Nova Cultural, Col. Os Pensadores, 1997
CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia, 12ª Edição, São Paulo, Editora Ática.
http://www.terra.com.br/voltaire/cultura
. Enciclopédia Encarta 2001. Microsoft
http://www.geocities.com/philosophiaonline/
Descubra mais sobre Luíz Müller Blog
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Muito legal este texto.
CurtirCurtir