Quando alguém com poder espezinha quem o serve, não merece estar no poder ou ter
poder. Quando a autoridade esmaga os fracos porque são pretos, mulheres, têm outras
crenças, ideias diferentes das suas, é um poder autoritário, antidemocrático. Quando alguém
despede sem justificativa quem serve o cafezinho com dignidade, apenas por ilações,
desconfianças sem fundamento, ou perseguição de qualquer tipo, não só não sabe o valor de
quem trabalha, quanto desrespeita os mínimos direitos de qualquer ser humano.
Manchete na Folha de São Paulo, 20 de maio: ‘Novo governo, dança das cadeiras.
Pediram a conta. – José Catalão, garçom no Planalto desde a gestão Lula, foi demitido pela
equipe de Temer, temerosa de que ele pudesse repassar informações a Dilma”. Diz a matéria
do jornal: “Dilma Rousseff lamentou a um dos poucos auxiliares de quem se despediu naquele
12 de maio: ‘Tchau, Catalão. Não posso levar você comigo.’ Mas o alvo da despedida, o garçom
José da Silva Catalão, na verdade estava satisfeito em permanecer no Palácio do Planalto.
Imaginava que, a partir dali, prestaria seus serviços ao terceiro presidente consecutivo. Não foi
assim. Catalão foi demitido no fim do expediente de terça-feira (17) pela equipe do presidente
Outra matéria da Folha diz: “A caça às bruxas no terceiro andar do Palácio do Planalto
não poupou ninguém, nem mesmo o garçom que servia à Presidência havia quase oito anos.
José Catalão, tido como um dos funcionários mais queridos entre os palacianos,foi demitido
pela equipe de Temer sob a ‘acusação’ de ser petista, relataram servidores. Catalão não tem
vínculo partidário e se orgulhava de ter servido Temer em várias ocasiões”. Na manchete de O
Tijolaço, de Fernando Brito: “Mordomo do golpe vinga-se no garçom: mandem este negro
Conheci o Catalão, agora personagem famoso, de cruzada, como se diz no Sul. Poucas
vezes serviu-me cafezinho, até porque estou mais acostumado ao chimarrão. Mas todas as
vezes que o encontrava, como recentemente nos atos de apoio à presidenta Dilma no Palácio
do Planalto, era de gentileza extrema, sorriso aberto, cumprimento alegre, como se a gente se
encontrasse todos os dias ou se conhecesse desde sempre.
Um governo é feito de pequenas grandes coisas, não só de programas e políticas
públicas. Conhece-se um governo também através de pequenos grandes gestos, ou de gestos
simbólicos, ou então por sua mesquinhez, ou seu desprezo pelos mais fracos e simples, de
como este governo trata as pessoas, de como recebe e ouve (ou não) o povo nos palácios,
especialmente os historicamente esquecidos.
Escrevi certa vez em A Foto e o Fato (julho de 2012), enaltecendo seu Antenor, que
limpava os banheiros num dos anexos do Palácio do Planalto: “São as pessoas ‘invisíveis’ que
fazem e constroem o Brasil, constroem uma Nação. Trabalham, são trabalhadoras e
trabalhadores, pagam impostos, são cidadãs e cidadãos, seja morando na rua, servindo
cafezinho ou limpando os banheiros dos engravatados.” É o caso da lutadora Luana, que
insiste em passar o pano na minha mesa quando estou trabalhando no computador, da Lena,
que vem conversar toda faceira, do Isaías, feliz vascaíno, seu time está só ganhando, da
Francisca, paraibana do Catolé do Rocha, que servem sorridentes o chá e o cafezinho a gosto.
Ai dos governos e governantes incapazes de reconhecer quem os serve! Serão varridos
da história, não só por serem insensíveis e ilegítimos quando chegam ao poder por um
impeachment que é golpe (o que fica cada dia mais claro, claro como a luz do sol), mas
também por não respeitarem o povo e os trabalhadores, não ouvirem nem respeitarem a voz
O ‘tchau, Catalão’, não o tchau da expressão carinhosa da presidenta Dilma, mas o
tchau da demissão fria é o tchau da mesquinhez, símbolo de uma mentalidade que tomou de
assalto o Brasil, como resumiu Kiko Nogueira no seu blog: “Eles não querem mais gente como
Catalão nos shoppings, nos aeroportos, nos palácios. Serão abatidos por corte de custos e sob
a alegação de que, além de tudo, são comunistas e petralhas.”
Bem que Michel Foucault escreveu: “Foi de mesquinharia em mesquinharia, de
pequena em pequena coisa, que finalmente as grandes coisas se formaram.”
Os tempos estão sendo duros. Mas os prepotentes, os usurpadores da voz do povo e
os ditadores em nenhum lugar e momento da história foram eternos.
Selvino Heck
Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul – 1987/1990
Em vinte e sete de maio de dois mil e dezesseis
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