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Reminiscências de um signatário da “Carta de Lisboa”(Por Paulo Timm)


Revisado e ampliado a partir de artigo publicado em Monitor Mercantil – RJ -16.XII.2020-
https://monitormercantil.com.br/nacional-trabalhismo-reminiscencias-de-signatario-da-carta-de-lisboa/


No Brasil assumira, no início do ano, João Batista Figueriredo, um general “tríplice coroado” que prometia levar a cabo o processo de lenta, segura e gradual abertura democrática, abandonando as diretrizes programáticas do II PND de Geisel. Traz de volta ao comando da Economia os monetaristas. Em entrevista de grande repercussão, ainda antes da posse, sobre o que faria com os renitentes que boicotavam a abertura, não tergiversou e ameaçou-os titanicamente: -“ Eu prendo e arrebento (com eles)”. Nunca prendeu ninguém…

No final do ano, acossado pela nova crise do petróleo, pela intensa mobilização popular, com a retomada das greves no ABC Figueiredo enviaria ao Congresso a Lei da Anistia.

Final do ano começam a chegar ao Brasil os primeiros exilados. Ainda assim, recrudescia a reação e se sucederiam os atentados a bomba perpetrados pela direita às bancas de revista que vendiam alternativos, como MOVIMENTO, EM TEMPO, LUTA OPERÁRIA, HORA DO POVO E PASQUIM se sucederiam até 1981.


Brizola saíra do Uruguai em 1977, no bojo da crise do então Presidente Geisel com seu Ministro da Guerra golpista, que queria o Sul “limpo”, asilando-se em Nova York ao amparo do Presidente Carter. Ali passou a receber inúmeras lideranças de brasileiros exilados e mesmo do Brasil, com eles articulando a recriação do PTB. Internamente, no Brasil, outros grupos apontavam, também, para a reorganização partidária, dentre eles Fernando Henrique Cardoso com seu projeto de Partido Socialista, do qual cheguei a participar, mas que foi logo abandonado quando ele conseguiu uma legenda do MDB para concorrer ao Senado.. Lula crescia em São Paulo mas ainda não estava claro o Projeto do seu Partido.

Enquanto isso, a esquerda ortodoxa do Partidão e PCdoB reforçava a tese da Unidade das Oposições em torno dos liberais e MDB, na expectativa de um grande confronto Ditadura x Abertura que jamais ocorreria.

Ainda assim, era grande o papel de Ulysses Guimarães à frente da Oposição com expressão no Congresso, delineando-se, na conjuntura, um cenário alternativo que poderia ser assim resumido: Ulysses reinava sobre a máquina oficial da Oposição com apoio dos “autênticos” da sigla; Fernando Henrique insinuava-se com apoio de Almino Afonso e quadros reunidos em torno do CEBRAP com grande capital intelectual na classe média para uma saída a partir do MDB; Brizola, com respaldo em seu capital eleitoral no Rio Grande do Sul e Rio, onde elegera-se deputado em 1962 com mais de 200 mil votos, dava os primeiros passos para a reorganização do PTB; Lula, com base no novo sindicalismo paulista e forte apoio das comunidades eclesiais de base, projetado nacional e internacionalmente, chegando a ser capa da Time em 1979, pelas greves recentes no ABC, começa a ganhar o apoio de quadros dispersos do Partidão e da luta armada.


Em janeiro de 1978, Brizola, aceita o convite de Mário Soares para viver em Portugal e de lá empreende várias viagens à França, onde o conheci, já ao lado de Miguel Bodéa e Trajano Ribeiro e Alemanha, cujos líderes, lhe abrem as portas da II Internacional. Aí começa a se gestar a ideia do Encontro de Lisboa, em 1979, para o qual foi decisivo o apoio de Mário Soares.


O Encontro, enfim, realizado em meados de junho na Sede do Partido Socialista, no Largo do Rato, em Lisboa, foi uma grande festa, embora aninhada em outro tempo. Ingênuo. Continuávamos embalados pela “abertura” na harmonia do Maio de 68. Não escutamos a advertência profética de John Lennon em 1971: “- O sonho acabou”. Continuávamos sonhando… A grande preocupação era a redemocratização, não o avanço do neo-fascismo mundial. A quebra da paridade do dólar com o Padrão Ouro, naquele ano, era um sinal dos novos tempos.


É então, que em 15 de agosto de 1971 o presidente Richard Nixon toma a decisão de acabar com a paridade dólar-ouro, decisão ratificada pelo FMI em 1973. Dali por diante, a moeda norte-americana seria apenas uma “fiat currency” (fiat, do latim, significando “faça-se”, ou “cumpra-se”, e currency, do inglês “moeda”, “dinheiro”), ou seja, o ouro não seria mais o garantidor do valor do dólar, mas, a palavra do governo americano, respaldada pelo seu tesouro nacional.
Retrospectivamente, tal decisão, aparentemente acusadora de fraqueza por parte do governo dos EUA, revelou-se saudável, pois a concepção do dólar como moeda fiat passou a dar mais credibilidade ao dólar do que ele possuía anteriormente, permanecendo a moeda como a principal no mercado financeiro internacional, referência de valores até os dias atuais.

No devaneio do Encontro, deslumbrávamos os vultos de antes de 64: Julião, Neiva Moreira, José Maria do Binômio, Doutel de Andrade, o último líder do PTB na Câmara, antes de extinção dos Partidos pelo AI n.02 de 1966. A eles juntavam-se grandes nomes acadêmicos como Teotônio dos Santos, Vânia Bambirra e Betinho, oriundos do México, além de Pedro Celso U. Cavalcante, Moniz Bandeira, Darcy Ribeiro, outros vindos da Suécia, França, etc todos eufóricos, reunidos com o pessoal do “Cabildo” de Lisboa, dentre os quais mitos da luta armada como Domingos Fernandes, Moema Santiago, Georges Michel, Alfredo Sirkiss.

Outros iam chegando do Brasil, destacando-se, sobretudo, o pessoal do Rio Grande do Sul, como Getúlio Dias e Matheus Schmidt, do Maranhão, como Jackson Lago, de Pernambuco, como Osvaldo Lima Filho e Maurílio Ferreira Lima e do Rio, como Lysâneas Maciel, no auge de sua popularidade e o simpático líder sindical Cerqueira, Brizola estava radiante, descontraído, falando numa linguagem mil km adiante dos próceres do MDB, limitados à discurseira da abertura, apontando para a retomada do Fio da História como o caminho brasileiro para construção do socialismo.


Para mim, muito jovem, tratava-se de um debut na Grande Política. Não passava de um obscuro Professor universitário, técnico do Governo. Já havia organizado, desde o início do ano um Núcleo do PTB em Brasília, que funcionava do Edifício Márcia, 13º. Andar, Setor Comercial Sul, de portas abertas, ao lado da sucursal do Jornal Movimento, então sob o encargo de Teodomiro Braga e seu fiel escudeiro, ACQueiroz, o ACQ. Ali conseguimos aprovar um documento que levei ao Encontro, ainda embalado pelas práticas neste sentido da esquerda tradicional. Não fez muito sucesso.

O clima não era de teses mas de excitação. Eu ia aprendendo. Já na chegada, ao fazer um relatório dos contatos que havia feito no Brasil, desde o ano anterior, a pedido do Brizola, comecei mal: – “Comandante, tenho más notícias. A esquerda no Brasil parece não estar disposta a seguir nosso Projeto de reconstrução do trabalhismo”. Ele olhou-me com severidade, como sabendo o que eu iria dizer e cortou-me secamente: – “A esquerda somos nós, Timm”. Nunca mais esqueci destas palavras.


Dias de grande júbilo e esperança, sobre os quais minha memória já vai apagando, deixando-me apenas a ilusão de eternidade daquele momento mágico, assim demarcado na Carta de Lisboa- https://www.pdt.org.br/index.php/carta-de-lisboa-marco-do-trabalhismo-na-redemocratizacao-do-brasil/ :


““Reconhecendo que é urgente a tarefa de libertação do nosso povo, nós, brasileiros que optamos por uma solução trabalhista, nos encontramos em Lisboa.”

PAULO TIMM, aposentado, é economista, formado pela UFRGS. Pós-Graduado na ESCOLATINA, da Universidade do Chile e CEPAL/BNDES. Foi professor da Universidade de Brasília – UnB – e Técnico do IPEA, órgão do Ministério do Planejamento, em Brasília, onde residiu por 35 anos e onde fez sua vida profissional e pública.

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